quinta-feira, 16 de abril de 2009
Poema do Vidreiro
Eu ainda muito menino
Quando a trabalhar comecei
Ainda não tinha oito anos
Logo para a fábrica entrei
Fechar e levar acima
Era o trabalho normal
Os moldes eram pesados
Faziam um esforço brutal
Levar a cima as peças de vidro
Para as arcas de temperar
Eu até corria
Sempre, sempre sem parar
As noites pareciam pequenas
Mal davam para descansar
E cedo a minha Mãe me chamava
Para eu ir trabalhar
O trabalho na obragem
Nem sempre era normal
Muitas vezes sem razão
Até me tratavam mal
A trabalhar tão pequenito
Apanhava poeira e suava que era um dó
Por isso me chamavam
O Toinito caça pó
Tive sonhos em criança
Como qualquer menino tem
O dinheiro que ganhava
Entregava à minha Mãe
Quando à minha Mãe entregava
O que ganhava com esforços
Ela contente me dava
Dois tostões para os tremoços
Nesse tempo quem os vendia
Era a Ti Teresa e o Ti Jacinto
Com dois tostões em enchiam o bolso
E saudades ainda sinto
Na fábrica havia uma escola
Lá o meu ensino comecei
E foi lá que aprendi
Tudo o que ainda hoje sei
O professor era o senhor Gil
Os alunos eram os seus fãs
E o obreiro principal
Foi o engenheiro Calazans
A trabalhar de manhã
E estudar ao entardecer
Foi assim que aprendi
A ler e a escrever
Cheguei à quarta classe
E o meu exame tirei
E pela vida fora
Eu soube quanto ganhei
O tempo foi passando
Chegaram as promoções
Todos subiam de posto
Conforme as aptidões
Na Fábrica Nacional
Ao quarto ajudante cheguei
E com dezoito anos de idade
Aquela fábrica abandonei
Na idade em que mais se sonha
Uma fábrica nova fui entrar
Mas ela pouco durou
E logo veio a parar
Trabalhei no açúcar
Numa obragem original
Os ajudantes eram os filhos
O pai Joaquim Maria era o nosso oficial
Trabalhei em muitas fábricas
Rebentas, Alípio, Pataias e Vieira
E ao fim de tantas voltas
Fui parar ao Manuel Pereira
Na Manuel Pereira
Em princípio foi diferente
Eu só fazia um trabalho
Na falta de algum doente
Fui andando assim
Até que a situação se pôs normal
E passado algum tempo
Já era oficial
Para os garotos brincarem
Fiz berlindes e abafadores
Também fiz pisa-papéis
Com nomes de doutores
Fiz chaminés e candeeiros
Que era para iluminação
Fiz galhetas e jarras
Tudo para exportação
Na minha carreira longa
A encarregado cheguei
E os meus conhecimentos no vidro
A alguns colegas ensinei
Trabalhei mais de cinquenta anos
Nesta arte linda e nobre
E no fim de tanto tempo
Nem sou rico nem sou pobre
Mas como tudo na vida
Tem um fim, tem que acabar
Eu depois de tantos anos, reformado,
Vim pra casa descansar
A história do meu ofício
Tem princípio, meio e fim
É uma história muito querida
Que eu guardo para mim.
(António Vaz dos Santos)
27/06/2003
Cidade da Marinha Grande (Portugal), tradição na fabricação de vidros há 200 anos.
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2 comentários:
Muito bem, meu amigo!
Perfeito!
Um hino a uma vida de trabalho!
Gostei bastante, aceitei a sugestão do Largo e vim espreitar ;-)
Parabéns pelo blogue lindo que tem!
Abraço
Fê
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