A irmã Lúcia explicou-nos tudo. As confissões seriam feitas na sacristia porque, embora existisse um confessionário, não era usado. Eu tinha uma roupa que a minha mãe me tinha escolhido e esperava. Como durante as missas, ohava para tudo o que acontecia: alguém que tossia, alguém que coçava o nariz, alguém que espirrava. Eu e os outros rapazes tentávamos comunicar. Fazíamos gestos, sussurrávamos palavras furtivas. A irmã Lúcia, quando nos apanhava, abria muito os olhos e, subitamente, fazia cara de má. Eu e todos distinguíamos sons no silêncio. Ouvíamos sons sibilados que chegavam do confessionário. Tentávamos ouvir os pensamentos uns dos outros. Quando alguma menina saía da sacristia, vinha ainda com as mãos juntas, lançava um olhar sério para o chão e, um pouco afastada das outras, ajoelhava-se a rezar na primeira fila. Apesar de ser óbvio para todos que as meninas tinham muito menos pecados do que os rapazes, tentávamos avaliar a gravidade dos seus pecados pelo tempo que demoravam a rezar ave-marias e pais-nossos. As meninas rezavam de olhos fechados.
Entre os rapazes, havia também aqueles que esperavam pela hora da catequese ao lado das meninas. Não brincavam com os outros rapazes, não andavam à porrada. Tinham o livro da catequese forrado com papel de embrulhos de Natal, tinham os cadernos limpos e sem uma dobra, tinham carteiras cheias de lápis afiados. Durante a missa, esses rapazes ficavam sentados na primeira fila. Chegavam antes de a missa começar. Alguns desses rapazes haveriam de ser convidados para ficar ao lado do senhor prior durante a missa. A irmã Lúcia não gostava da palavra sacristão, chamava-lhes ajudantes do senhor prior durante a eucaristia. Alguns anos mais tarde, a irmã haveria de falar com eles antes da catequese, dar-lhes-ia detalhes sobre a opa, sobre as horas. Eles haveriam de responder muito bem, irmã; está certo, irmã. Mais tarde, alguns desses rapazes aprenderiam a tocar o sino e, a qualquer hora, podíamos estar a jogar à bola ou podíamos estar na escola, chegaria alguém para chamá-los, dizendo vai lá tocar o sino que orreu a avó do Fulano, a mãe de Beltrano, a mulher do Cicrano. Durante a missa, eu ficava nos bancos de trás. Eu e os rapazes que estavam ao meu lado, trocávamos caras. Às vezes, trocávamos caretas. Quando eu sentia vontade de rir durante o silêncio, ficava a olhar para a imagem de Jesus crucificado. Dentro de mim, a vontade de rir lutava com as palavras da irmã Lúcia, Jesus Cristo sofreu e morreu por nós.
(continua amanhã)
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